SALA 18
LINHA DO TEMPO HOMERO LOTITO BENEDITO LACERDA [em breve link para o encarte digital] BENEDITO LACERDA E PIXINGUINHA ANACLETO DE MEDEIROS

HOMERO LOTITO

HOMERO LOLITO

O resgate de uma obra sonora é um desafio que começa entre livros e documentos burocráticos, mas que invariavelmente termina numa mesa de gravação. Para que possamos entender o processo pelo o qual passou este material que chega agora aos seus ouvidos, entrevistamos Homero Lotito, engenheiro de som que nos conduziu no tratamento técnico das gravações disponíveis da obra de Benedito Lacerda. O seu acurado trabalho nos possibilitou não só conhecer melhor a alma do compositor, mas sobretudo valorizar sua excelência como instrumentista.

PF Como eram realizadas as gravações nos anos 20?
HL Do início da década de 1920 temos apenas registros de gravações acústicas em um mísero canal. A partir de 1925, a amplificação eletroeletrônica, desenvolvida pela Bell Telephone Laboratories, foi introduzida nas técnicas de gravação e reprodução, permitindo, assim, uma gama muito maior de frequências.

PF E de quais recursos os músicos dispunham?
HL Praticamente nenhum. As gravações eram feitas "ao vivo” com os músicos dispostos ao redor de um único microfone, sendo que o equilíbrio entre vozes e instrumentos, a mixagem, por assim dizer, era toda feita fisicamente, modificando-se a posição dos músicos em relação ao microfone.

PF E eventuais erros cometidos na execução da canção?
HL A música era executada em estúdio ou em programas de rádio, tudo ao vivo, claro. A gravação, em tempo real, imprimia-se em sulcos em um único acetato, por processo eletromecânico. Essa matriz era então, utilizada no processo industrial de replicação para a produção dos discos de 78 rpm, padrão de comercialização para o grande público.

PF Assim era feito o que hoje chamamos de máster?
HL Na verdade, a máster como a conhecemos hoje não existia, o processo já estava intrínseco na gravação. No caso do projeto Benê, já trabalhamos sobre um material restaurado e digitalizado em CD, o nosso ponto de partida. Nessa fase foram realizadas equalizações adicionais e os volumes entre as diversas faixas do CD foram comparados e padronizados.

PF E o que foi buscado nesse processo?
HL Esteticamente, o objetivo foi ressaltar a riqueza musical dos acompanhamentos e os contrapontos entre os diversos instrumentos e vozes. Em ambos os casos, havia características ainda ocultas de seus timbres que pudemos resgatar.

PF E o chiado, foi tirado?
HL Quando a relação entre o nível de ruído, inerente ao material, e componentes sonoros intrínsecos aos instrumentos chegava a um ponto crítico, optou-se sempre por manter a máxima integridade da sonoridade dos instrumentos e vozes originais, evitando assim esses filtros e compressões que cortam muitas frequências e chapam o som em demasia. Então optamos pelo chiado.

PF A qualidade da gravação variava muito de uma gravadora para outra?
HL Os originais que recebemos das gravações de época variam consideravelmente. É interessante notar que aquelas realizadas pela RCA são de nível bem superior, mostram maior riqueza de detalhes, mais nuances sonoras do que as feitas pela Odeon.

PF Qual a importância desse tipo de trabalho?
HL Os registros de que dispomos das obras musicais do passado são pouco atraentes às novas gerações. Todas as iniciativas no sentido de trabalharmos mais artesanalmente e de forma criteriosa esse material são importantes para perpetuarmos um padrão de qualidade em nossa discografia. Assim, não só abrimos um mercado importante de música nacional, mas principalmente damos o valor histórico e apontamos a relevância artística que caracteriza nossos melhores músicos.

BENEDITO LACERDA E PIXINGUINHA

BENEDITO LACERDA E PIXINGUINHA

Benê, talvez só o seja pra mim e pra alguns afetos deste projeto. Seu Benedito, era assim que seus músicos o chamavam, homem responsável e austero, no trabalho exigia de todos nada menos que a perfeição, aquela que exigia de si mesmo. Em casa, Zito, apelido carinhoso, familiar, marido, pai, não era dado à vida boêmia, mas buscava a realização financeira no nascente mercado da música. Flautista acadêmico e virtuose, sambista de corpo e alma, crescido no Estácio, desceu do Morro com sua gente, aquela gente do morro, que de pejorativo do cotidiano tornou-se ícone da música brasileira. O homem que introduziu o samba no choro, que divulgou centenas de compositores, cantores, instrumentistas, que acompanhou com seu perfeitíssimo regional 10 entre 10 estrelas da MPB, o homem que ressuscitou Pixinguinha, que criou a UBC e a SBACEM, que lutou pela profissão do músico e pelo direito do autor. Pra mim Benê, o flautista, aquele que foi o maior de todos, único, até hoje, incomparável. Transitava pelas correntes da música como um deus. Compositor de choros, sambas, marchas, valsas, optou pelo mercado e assim o fez. Administrou sua carreira como poucos, criou da música uma indústria, tinha o melhor grupo, os melhores parceiros e os melhores cantores, todos o disputavam como a Terra Prometida ou o Porto Seguro. Emissoras de rádio, gravadoras, editoras se fartaram com suas descobertas. Soube agir como um executivo, um empresário, porque essa foi a sua meta, sua direção, a sua opção, ganhar dinheiro trabalhando no mercado, com o mercado, para o mercado, com isso gerando muitos empregos, sustentando muita gente. Foram em torno de 800 gravações como acompanhante, 400 como compositor e 100 como interprete, 20 anos de domínio absoluto, de competência plena. Ladrão de sambas?

Ladrão de sambas? Foi isto que sobrou para este homem? Nunca houve um processo em sua carreira, como houve com vários outros! Talvez o caso da marchinha Jardineira (1939), onde ele e seu parceiro Humberto Porto foram acusados, por Almirante, de terem se apropriado de um motivo popular do final do séc. XIX, do cordão Filhos da Primavera. Com certeza por isso entraria na cela da história, em companhia de Villa Lobos, Tom Jobim, Bartok, Stravinsky, etc...etc...etc....Depois veio o derradeiro caso com Pixinguinha, uma bobagem, fizeram um acordo claro, dividiriam os ganhos e glórias de tudo que fizessem juntos ou gravando, ou compondo, ou editando, e ponto! Parceria tipo o que é meu é seu, o que é seu é meu e o que é nosso é pro mundo! Outro folclore é com ritmista Baiaco (Osvaldo Vasques), que levava os novos compositores para o Café do Mangue onde lá, atrás de um biombo, ficava Benedito escrevendo os sambas que ouvia para depois editá-los em nome dos dois! Só encontrei dois sambas desta parceria, nos quais Benedito exacerba nos contrapontos, da capo ao fine. Dois sambas! Muita produção pra pouco resultado, não? Roubo e apropriação indébita é pôr letra na música dos outros, sem consentimento dos outros e virar parceiro dos outros e ganhar direitos em cima do trabalho dos outros, mesmo quando só se toca a música dos outros, sem a tal letra! Mas isso pode! É legal! Então, aqui vamos enaltecer o flautista, sem polêmicas, pois neste campo Benedito é unanimidade.

ANACLETO DE MEDEIROS

ANACLETO DE MEDEIROS

Filho de uma escrava liberta, Anacleto de Medeiros começou na música tocando flautim da Banda do Arsenal de Guerra do Rio de Janeiro. Aos 18 anos foi trabalhar como aprendiz de tipógrafo na Imprensa Nacional, e ao mesmo tempo matriculou-se no Imperial Conservatório de Música. Nessa época já dominava quase todos os instrumentos de sopro, e tinha especial preferência pelo saxofone. Fundou, entre os operários da tipografia, o Clube Musical Gutemberg, iniciando aí sua função de organizador de conjuntos musicais.

Como compositor, foi um dos mais expressivos da música brasileira. Anacleto foi fundador, diretor e maestro de muitas bandas, tendo contribuído de maneira fundamental para a fixação dessa formação no Brasil.